Ver não é apenas olhar. Ver é muito amplo, complexo. A questão é que poucos de nós são ensinados e aprenderam a ver. A forma como você se relaciona com aquilo que lhe é visualmente apresentado, modifica os significados. Cê tá com tempo, ou veio apenas pela foto?
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O Louvre é realmente incrível, estar próximo da Monalisa, um privilégio. Todos querem registrar aquele momento, mas quantas dessas pessoas viram esta obra de verdade? Mesmo a internet nos oferecendo diversas imagens desse símbolo do renascimento — voltando ao texto anterior, são aproximadamente 222.000.000 resultados em 0,62 segundos — uma infinidade de visitantes, insiste em fotografá-la, uma foto que provavelmente ficará perdida na memória do celular, irá para rede social e será o documento comprobatório de que elas estiveram de verdade lá, no Louvre, a poucos metros de Mona Lisa.
Se compararmos, certamente você tem mais fotos no seu celular a todo o Brasil no século XIX. Fotografamos e somos fotografados constantemente. Viajamos e muitas vezes vemos a viagem apenas pela tela do celular, é a necessidade do registro e não da presença.
Quantas exposições, shows, aniversários e festas em família você viveu atrás de um celular, buscando o melhor ângulo, a melhor foto. Sem parar, sem viver aquele instante? Todos, creio eu, já perdemos muita coisa na busca da foto perfeita. E o tempo passa e nos esquecemos que temos apenas o presente.
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É preciso, desde muito cedo, olhar de forma crítica para o significado das imagens, aprendendo a ler a imagem, interpretando-a e refletindo sobre. Quando eu digo ver, é ver de verdade — Verdever. É muito além de um simples olhar, é pensar visualmente, ampliando o leque de possibilidades e buscando revelar os sentidos e significados que a imagem nos oferece.
Compreender como as ideias e emoções são expressadas por meio de imagens. E para essa leitura é preciso conhecer a gramática visual, dominar o seu vocabulário, aprender a ler imagens. A língua precisa ser ensinada, assim como o alfabeto visual. Por ver ser algo, aparentemente tão simples, ignoramos esse aprendizado.
Somos todos um pouco São Tomé. Muito do que acreditamos e grande parte do nosso conhecimento, aquilo que ansiamos e consumimos, está intimamente relacionado pelo domínio da fotografia sobre a nossa psique, entenda aqui fotografia no sentido amplo da palavra. Esse processo tende a ficar cada vez maior, em decorrência da influência do aspecto visual em nosso cotidiano.
A fotografia é o elo que une a capacidade inata de ver e a capacidade de relatar, olhar, observar e interpretar o que vemos. O visual predomina. O verbal tem a função de acréscimo. Imagens são muito poderosas, já diz o ditado.
É com a percepção visual que a percepção humana nos auxilia nos processos cognitivos. Parte do nosso córtex cerebral é destinada exclusivamente ao processamento visual, tamanha a sua importância. É também por meio da visão que nosso cérebro recolhe informações sobre nosso meio externo. A experiência sensorial influencia na forma como o nosso cérebro estabelece conexões.
Nossa primeira experiência em nosso processo de aprendizagem é a tátil. Em conjunto, temos o olfato, a audição e o paladar. Sentidos que são superados pelo plano icônico, nossa capacidade de ver, reconhecer, compreender — em termos visuais — as forças ambientais e emocionais.
Podemos dizer que nos organizamos por aquilo que vemos ou o que queremos ver. Somos, e muito, orientados pelo sentido visual. Aceitamos a capacidade de ver sem esforço, ignorando que ela pode ser aperfeiçoada. Ver é uma experiência direta, e a utilização de dados visuais para transmitir informações representa a máxima aproximação que podemos obter com relação à verdadeira natureza da realidade. A inteligência visual é muito complexa e muitas vezes pouco explorada. É preciso exercitar o olhar.
O sentido visual, pode e deve ser treinado, ampliado e explorado. É preciso parar, é preciso de fato ver e não apenas olhar. Estudar e expandir a sua capacidade de ver influencia diretamente a sua compreensão de uma mensagem e, como toda comunicação, você sai do seu estado de receptor para o de agente, podendo criar a sua própria mensagem visual. A visão é muito além que o olhar, ela nos permite comunicar, sendo expressão.
Busque maximizar o seu conhecimento visual. Lembre-se de que a forma como percebemos e interpretamos as mensagens visuais são influenciadas pela forma como somos afetados pelo nosso entorno e contexto. Esse processo é individual, cada um tem a sua percepção, dentro de seus referenciais e saber. A sintaxe visual é complexa e não deve ser ignorada, senão, estaremos apenas a pousar os olhos sobre o mundo, ignorando tudo o que ele tem a nos dizer. Porque o que ele me diz, se conecta com o que eu lhe ofereço. É sobre mim e não sobre si mesmo. Quando algo atinge o espaço público ele está livre para interpretações. Quando faço a leitura de um trabalho, eu agradeço, pois é por meio dele que eu exploro quem eu sou. Entende? É um exercício de conhecimento e exploração.
E você? Está vendo direito ou está apenas sendo uma esponja, absorvendo tudo sem pensar, ou pior, registrando tudo na memória do celular.
Conecte-se, olhar exige treino e tempo.
Convido você, quando tudo isso passar, a sair um dia para caminhar sem o celular. Ir a um show e não fotografar. Encontrar um amigo e não conferir o status do Whatsapp.
Experimente, estar presente é uma virtude.
> Monalisa, Louvre — Foto: Fábio Seixo